Vinicius Marino Carvalho

Agência (pós-)humana em videogames: os simuladores de reino e a história medieval

 

Vinicius Marino Carvalho

 

Introdução

 

Nos últimos anos, os estudos de jogos históricos observaram grandes avanços graças a uma interface com a arqueologia. Estas contribuições foram além de prover um melhor entendimento da cultura material em torno de videogames – algo que resultou, famosamente, em uma escavação que descobriu cópias do jogo E.T. enterradas pela Atari após a Crise dos Videogames de 1983 (REINHARD, 2015). Andrew Reinhard argumenta que jogos eletrônicos podem ser compreendidos como sítios arqueológicos em si mesmos: espaços que humanos ocupam e transformam durante sua experiência lúdica. O autor acredita que o archaeogaming – a arqueologia nos e sobre os jogos – é um caminho para o aprimoramento da própria computação, propiciando um “terreno de testes para ideas sobre método e teoria [...] em antecipação a espaços digitais que criarão novos ambientes por conta própria” (REINHARD, 2020, p. 140).  Reinhart está particularmente interessado no advento de “culturas criadas por máquinas (CCM)” nas quais personagens, paisagens e leis da antureza geradas por computador possam interagir entre si e produzir “comportamento emergente independente da agência de jogadores ou desenvolvedores”. (REINHARD, 2020, p. 140)

 

Emergência – efeitos em larga-escala (amiúde imprevisíveis) dentro de um dado sistema provocado pela interação local de suas partes,(AXELROD, 1997, p. 4 ) – é um conceito-chave na teoria da complexidade, uma perspectiva de análise que almeja entender “como um número expressivo de entidades relativamente simples se organizam [...] em um todo coletivo que gera padrões” e pode evoluir e aprender (MITCHELL, 2011, p. 4). Esta abordagem tem sido favorecida por aqueles que advogam em favor de leituras menos antropocêntricas da história, ponto de vista cujas crescentes preocupações com as mudanças climáticas que caracterizam nossa época tornam ainda mais atuais. A crítica à primazia do ser humano é notavelmente esposada pelo pós-humanismo, corrente de pensamento que nos convida a reavaliar os próprios conceitos de “ser” e “humano” – diante do advento de inteligências artificais (IAs) e aprimoramentos cibernéticos, em parte, mas também em relação às práticas econômicas e sociais ecologicamente insustentáveis que colocam em risco a própria biosfera (BRAIDOTTI, 2013, pp. 55-104; MIDSON, 2017, pp. 22, 71-72).

 

Videogames são ferramentas privilegiadas para debater esses novos dilemas intelectuais, pois configuram sistemas pós-humanos por excelência. Neles, jogadores humanos precisam lidar com ambientes virtuais reativos e responder às ações de IAs de diferentes níveis de complexidade. Estes agentes não-humanos podem ser modelados para representar fatores ambientais historicamente conhecidos, fazendo do jogo um experimento sobre sociedades virtuais. Este modus operandi é familiar a gamers, a quem o ato de jogar muitas vezes implica em explorar repetidas vezes sistemas virtuais em busca de estratégias novas, conteúdo alternativo e easter eggs. O próprio Reinhart reconhece este potencial, comparando o papel do jogador diante de um ambiente povoado por personagens não-jogáveis (NPCs) com aquele de um arqueólogo frente a um agent-based model (ABM), gênero de simulação computacional desenvolvido para estudar sistemas complexos. Tal como pesquisadores, gamers podem tratar seus jogos como laboratórios virtuais, “alterando uma variável ou condição para experimentar, e repetindo estes experimentos para testar uma hipótese” (REINHARD, 2020, p.137).

 

Esse potencial é mais evidente em gêneros como grande estratégia e simuladores de cidades, que exibem um nível de complexidade que se aproxima ao daquele de sistemas reais. Historiadores, contudo, têm muito a ganhar estendendo sua atenção a videogames computacionalmente mais simples. Muitos softwares de desenvolvimento de jogos disponíveis no mercado exigem pouca proficiência com a escrita de código, sendo portanto ideais para pesquisadores com formações em humanas que desejam criar seus próprios jogos. Embora eles não possam rivalizar em escopo com jogos de estratégia, simuladores mais simples seguem os mesmos princípios de design de jogos que governam estes produtos comerciais e podem ser igualmente para a experimentação. De fato, como o próprio Reinhart ressalta, “todo jogo é uma paisagem” e aqueles dispostos a estudar jogos arqueologicamente “devem aplicar definições e métodos para qualquer jogo ou mundo, não apenas aqueles que são facsímiles de ambientes naturais reconhecíveis” (REINHARD, 2020, p. 139).

 

Um sub-gênero de particular interesse para medievalistas são os simuladores de reinos: jogos com interfaces e sistemas de regras simples que colocam jogadores no comando de governantes medievais lidando com os desafios cotidianos do exercício do poder. Ao contrário de jogos de estratégia complexos ou simuladores de cidade, estes jogos deliberadamen tentam retratar as limitações políticas e informacionais de líderes medievais. Desta forma, eles são plataformas úteis para discutir questões de agência história – humana e “pós-humana”.

 

O objetivo dessa comunicação é identificar princípios de game design em simuladores de reinos que podem servir de referência para o desenvolvimento de videogames de interesse histórico a acadêmicos. Na primeira parte, analisarei alguns exemplos comerciais do gênero. Na segunda, apontarei e discutirei princípios-chave de design presentes nestes jogos que podem se mostrar interessantes a historiadores que aspiram criar seus próprios jogos.

           

           

Parte 1: Exemplos simuladores de reino comerciais

 

Reigns (2016)

 

Reigns é um simulador de reino modelado como um jogo de cartas virtual, em que jogadores precisam aceitar ou rejeitar as demandas de uma série de requerentes. Cada decisão terá um impacto – positivo ou negativo – em uma das quatro “ordens” do reino: a Igreja, o povo, o exército e os mercadores. A força de cada um destes grupos é representada abstratamente como uma métrica. Zerar ou maximizar qualquer uma destas pontuações fará com que o rei seja deposto – frequentemente, de maneira violenta.

 

Os requerentes não são meros indivíduos, mas representantes de entidades coletivas com seus próprios comportamentos agregados. Longe de um soberano absolutista, o rei frequentemente age como um simples facilitador de demandas sociais – às vezes, contra seus próprios interesses sociais. Dependendo do equilíbrio entre as quatro ordens, o jogador pode ser forçado a aceitar pedidos não-razoáveis – por exemplo, permitindo que invasores massacrem a população porque ceder muito poder ao exército acarretará um golpe militar. A impotência do rei diante destas forças coletivas torna-se ainda mais evidente graças à informação limitada disponível ao jogador. Decisões precisam ser tomadas no calor do momento, sem contexto ou aviso prévio. A interface mostra quais ordens serão afetadas por cada decisão, mas não se a mudança será positiva ou negativa. Como as demandas dos requerentes são escolhidas de maneira semi-aleatória, não há como prever como um dado reino terminará. Um jogador pode permanecer décadas no poder em uma jogatina apenas para ser executado em alguns turnos na próxima graças a uma combinação infeliz de circunstâncias.

 

A despeito de sua simplicidade e seu humor amiúde absurdo, esse retrato pessimista de agência real faz de Reings uma representação surpreendentemente considerada da natureza do poder no período que retrata. Como Robert Houghton notou, o jogo é um “grande simulador do cerne do mando medieval”, especificamente, o fato de que reis agiam de acordo com uma racionalidade limitada, sem os benefícios de telecomunicações, opinião pública e dados confiáveis para embasar suas decisões. “Você não dispõe de um códice de estatísticas úteis para consultar [...]. Você tem apenas uma ideia geral do que cada decisão fará, que nem um governante medieval” (HOUGHTON, 2019).

 

Ainda assim, o jogo apresente uma dissonância entre elementos que apresentam emergência e elementos de  gameplay progressivo – filosofia de game design em que cada desagio exige uma ação pré-definida para ser completado (JUUL, 2002, p. 324). Mudanças de poder são inconsequentes. Não importa quantos reis venham a morrer, o reino nunca experimenta uma sucessão disputada ou câmbio dinástico, mesmo quando o próprio jogo sugere o contrário. Obter zero pontos na métrica “Igreja”, por exemplo, fará com que a população abra mão do cristianismo e retorne ao paganismo. No início de nossa próxima jogatina, porém, o clero está de volta como se nada tivesse acontecido. Por mais que o jogo sugira que reis medievais viviam à mercê de grupos de interesse coletivos, a verdade é que eles, também, não têm qualquer agência além das minúcias das intrigas da corte. O cenário de Reigns é um mundo de estagnação perpétua, uma era das trevas imune à mudança ao progresso – de fato, um dos finais possiveis especificamente revela que o universo do jogo é uma ilusão criada pelo Demônio para aprisionar a humanidade em uma Idade Média perpétua.

 

 

King of Dragon Pass (1999)

 

Diferentemente de Reigns, King of Dragon Pass é um “simulador de saga” mais do que um simulador de reino. O jogador controla não um rei, mas um clã inteiro em um passado mítico inspirado pela mitologia nórdica. Seu objetivo é proteger e desenvolver sua comunidade até que se torne uma tribo, unificando a Dragon Pass (como o cenário é chamado). Fazê-lo requererá completar uma série de “missões heroicas” nas quais jogadores terão de reproduzir os feitos dos deuses para criar seu próprio mito nacional.

 

O jogo combina elementos de simuladores baseados em texto e visual novels. Novamente, a despeito de sua simplicidade, ele apresenta um rebuscado modelo de agência, com uma miríade de agentes coletivos e individuais, humanos e não-humanos com diferentes níveis de complexidade, tipos de motivações e suscetibilidade à influência do jogador. Até sete membros da nobreza do clã comporão o círculo do clã, um corpo deliberativo que opina sobre cada ação do jogador. Estes conselheiros têm diferentes proficiências em assuntos de governança e também diferentes agendas, que são determinadas em grande parte dela divindade que adoram. O círculo do clã é aleatoriamente escolhido no início de cada jogo, mas pode ser reorganizado gastando-se uma ação – i.e. progredindo ao próximo turno. Como isto também impossibilitará o jogador de tomar qualquer outra ação naquele turno, é necessário ter parcimônia ao alterar sua composição. A presença e importância do círculo do clã torna King of Dragon Pass um raro exemplo de jogo em que um corpo político é representado como uma entidade social, não como o instrumento de um regente totalitário ou a manifestação de uma vontade coletiva etérea. “Você não está interpretando uma personagem” explicou seu criador, David Dunham. “Você está, na verdade, interpretando o clã inteira. E suas opções de criação de personagem não são sobre classes ou estatísticas, são sobre atitudes e moralidade.” (KLAEHN, 2016, p. 46)

 

O clã não é a única entidade com que o jogador precisa lidar. Clãs vizinhos possuem seus próprios valores e reagirão de acordo às ações humanas. Cada uma das 16 divindades do panteão é um agente em si e providenciará bênçãos particulares se forem propriamente satisfeitas. Até mesmo a natureza conta com agência. O ano de jogo é dividido em diferentes estações, mais ou menos apropriadas a certos tipos de ações. Montar uma expediçõa military durante a colheita, por exemplo, poderá causar uma carência de alimentos, pois seus camponeses estarão ocupados demais com a guerra para trabalhar nos campos. As estações também são regidas por deuses diferentes e podem impactar na chance de sucesso de um sacrifício ou missão heroica dedicada àquela divindade. Praticamente todos os elementos do jogo, do mapa da Dragon Pass à composição do círculo do clã é aleatoriamente gerada, garantindo muitas oportunidades para se experimentar com cada um de seus sub-sistemas.

 

Graças a essas características, King of Dragon Pass é uma referência valiosa de como explorar agência histórica em um formato lúdico. Seu ciclo de estações espelha, em complexidade, modelos acadêmicos reais para o estudo da organização social do tempo em sociedades pré-industriais (Cf., p.ex., PATTERSON, 1994, pp. 118-48). Surpreendentemente a um jogo com mais de vinte anos de idade, sua mensagem se alinha às preocupações contemporâneas de campos como história ambiental e econômica. A natureza, em Dragon Pass, não é mero palco de ações humanas, mas uma co-protagonista – quando não um Primum Mobile (CAMPBELL, 2010, p. 283) – de processos históricos.

 

Kingdom: Classic (2015)

 

Kingdom: Classic é um sidescroller proceduralmente gerado em que o jogador controla uma rainha ou um rei de uma ilha atormentada por forças malígnas. O objetivo do jogo é construir um assentamento, recrutar súditos, explorar a natureza e eventualmente criar um exército forte o suficiente para destruir os portais por onde monstros estão invadindo.

 

O jogo é um exemplo notável de gameplay emergente explorado ao máximo de seu potencial. O game inteiro gira em torno de uma única mecânica – coletar e gastar moedas – que podem ser usadas de maneiras distintas para atender diferentes estratégias. O mundo do jogo é povoado por agentes chamados de mendigos, que podem ser transformados em camponeses gastando-se uma moeda. Camponeses podem ser evoluídos a construtores, arqueiros, fazendeiros ou cavaleiros comprando-se os itens respectivos – uma ação que consiste em gastar dinheiro em uma determinada loja. Qualquer cidadão que é ferido por um inimigo reverterá primeiro a camponês, depois a um mendigo, forçando o jogador a recrutar agentes uma segunda vez e comprar itens adicionais para reconstruir sua força de trabalho. Cada tipo de agente possui não apenas seu papel na sociedade – ex. construtores constroem defesas, fazendeiros geram moedas cuidando de fazenda – mas também uma rotina própria e um conjunto de ações determinada por uma IA rudimentar.  Monstros também possuem seus próprios comportamentos, atacando humanos durante o dia e recuando durante a noite.

 

O algoritmo que rege as ações de cada um desses agentes é muito provavelmente uma máquina de estados finitos (MEF), um tipo de modelo comportamental que gera uma reação específica cada vez que uma série de condições pré-determinada é atendida (ex. se um inimigo é visto, ataque; se a noite cai, retorne à vila). Embora estas rotinas sejam simples, a quantidade gigantesca de agentes que povoam o jogo a cada momento e o fato de eles podem mudar de classe – e, consequentemente, adquirir novos comportamentos – pode engatilhar fenômenos emergentes que mudarão a dinâmica ecológica do mundo do jogo. Fazendeiros atacados por monstros se tornarão camponeses, que foram programados para correr de volta ao centro da cidade e e podem se tornar arqueiros se arcos suficientemente diferem sido comprados pelo jogado. Podemos, assim, observar como uma sociedade agrária altamente produtiva, mas vulnerável se transforma em uma comunidade menos produtiva, porém mais resiliente de caçadores-coletores conforme a intensidade da guerra aumenta.

 

A despeito de seu incrível potencial em recriar e experimentar com modelos ecológicos de história, o sistema de Kingdom: Classic também possui limitações. A MEF de seus agentes não é equipada para lidar com todas as situações em que o jogo os coloca. Notavelmente, NPCs às vezes seguirão ordens que acarretarão em suas mortes. Construtores que receberem um comando para derrubar uma árvore fora do perímetro do reino após o pôr do sol o farão, mesmo se já estiver escuro e monstros estivem à solta. Fazendeiros trabalhando em certos tipos de cultivo permanecerão no campo durante todo o dia, mesmo se as defesas externas tiverem sido comprometidas. Ao contrário dos membros do clã de King of Dragon Pass, as NPCs de Kingdom: Classic jamais desafiarão o jogador ou o status quo, mesmo que teoricamente tenham os meios para tanto. Elas podem coletar moedas, mas nunca gastá-las; usar ferramentas, mas não comprar novas. É notável, neste sentido, que não há assentamentos controlados por NPCs no jogo-base além de acampamentos em torno dos quais mendigos se aglomeram. Pelo contrário, o jogo deixa claro que, tal como em Reigns, suas pessoas estariam presas em uma era das trevas perpétua não fossem a liderança de seu ou sua monarca.

 

 

Parte 2: Princípios de game design em simuladores de reino interessantes à pesquisa histórica

 

Factibilidade de desenvolvimento

 

Embora seja impossível alcançar o mesmo grau de polimento dos jogos elencados acima sem o amparo de um estúdio profissional, a estrutura básica destes games podem ser satisfatoriamente reproduzida com o uso de programas disponíveis ao grande público.

 

Simuladores baseados em texto como King of Dragon Pass podem ser criados com ferramentas para o desenvolvimento de ficção interativa. Um dos principais exemplos é o Twine, aplicativo de código aberto amplamente utilizado na educação básica devido a sua curva suave de aprendizado. Este software pode ser usado para criar de simples visual novels a experiências mais complexas envolvendo lógica condicional, rolagens virtuais de dado, testes de perícias e condições de vitória e/ou derrota. Outras ferramentas desenvolvidas para o mesmo propósito incluem o Ren’Py e o Ink  - tal como suas variantes Inky Inklewriter – este último desenvolvido sob medida para o uso em sala de aula.

 

Para sidescrollers como Kingdom: Classic, a família de softwares Construct é uma boa porta de entrada ideal para o desenvolvimento de jogos. Estes programas são especificamente desenvolvidos para criar games do gênero e contam com uma interface programação visual que não requer conhecimento prévio de código.

 

Reigns é essencialmente um jogo de cartas virtualHistoriadores-desenvolvedores com interesse em emular sua estrutura básica podem facilmente fazê-lo como um jogo de tabuleiro convencional  - ou virtualmente, por meio de emuladores de jogos de cartas como Tabletop Simulator.  Vale mencionar que o próprio Reigns seguiu caminho parecido, tendo sido adaptado a um formato analógico sob o título de Reings: The Council.

 

 

Disponibilidade de informação

 

Uma importante característica comum entre Reings Kingdom: Classic é o limitado nível de informação que disponibilizam aos jogadores. Enquanto que simuladores de cidade e jogos de grande estratégia muitas vezes oferecem uma visão “olho de peixe” do ambiente histórico, os agentes jogáveis nos jogos descritos acima operam dentro de balizas muito mais severas. Reigns leva este princípio ao extremo, exigindo que jogadores conversem com seus NPCs ao longo de múltiplas jogatinas, tomem decisões contra-intuitivas e até mesmo procurem pistas escondidas na sua linha do tempo para que alcancem todos os finais possíveis. Kingdom: Classic mal introduz sua mecânica central antes de nos abandonar com uma única mensagem assustadora: “Construa. Expanda. Defenda”. Devido a sua natureza procedural (Kingdom:Classic) ou aleatória (Reigns), estes jogos são intrinsicamente imprevisíveis e permanecem desafiadores mesmo após termos nos habituado com suas mecânicas. Em jogos acadêmicos, limitações como estas podem ser implementadas de propósito para representar hipóteses sobre a dimensão da racionalidade de atores históricos reais e para explorar como diferentes níveis de percepção podiam afetar a tomada de decisões em sociedades do passado.

 

King of Dragon Pass segue um caminho diferente desses dois jogos, pois oferece ao jogador uma quantidade substancial de informação sobre cada um de seus sub-sistemas e também sobre o universo fictício em que se passa. Como seu desenvolvedor David Dunham explicou, “você não irá se sair bem no jogo a não ser que você inteprete não você mesmo, mas um membro do mundo” (KLAEHN, 2016, p. 45). O que poderia facilmente se reduzir um exercício do que Adam Chapman rotulou de “história como revivalismo” (CHAPMAN, 2016, p. 198) – algo enfatizado pelo fato de que a vitória é obtida ao literalmente revivermos missões heroicas de lendas antigas – é em vez disso enriquecida e transformada pela auto-consciência do jogo em relação aos seus próprios vieses narrativos. O objetivo final de King of Dragon Pass é atender a (ou subverter) topoi discursivos de maneira a construir, por meio de nossas ações, uma saga instigante.  Acumular recursos, vencer batalhas, negociar tratados e outras decisões esperadas de um simulador de reino são aqui não mais que meios para este fim. Se King of Dragon Pass modela algo, não é um um sistema político ou econômico específico, e si os alicerces literários dos próprios mitos. Isto converge a uma exploração de agência radicalmente distinta, em que atores históricos precisam se firmar não em relação à natureza ou à IA, mas aos limites da própria narrativa.

 

Mudança histórica

 

A incapacidade de representar a mudança histórica não é apenas uma das maiores deficiências de videogames históricos. É também uma reconhecida limitação de qualquer forma de história baseada em modelos formais. Como Edmund Chattoe-Brown e Simone Gabbriellini apontaram, modelos formais quase sempre adotam uma “concepção antropológica da história em que agentes se comportam de acordo com regras sociais imutáveis que simplesmente se desenrolam ao longo do tempo” (CHATTOE-BROWN, GABBRIELLINI, 2017, p. 55).

 

Reigns ilustra este problema de maneira mais vívida, com um universo medievalista impérvio a mudanças longevas de qualquer espécie. King of Dragon Pass se esforça para retratar como a expansão de um clã em uma tribo afeta o modus operandi da política. Contudo, esta mudança não altera fundamentalmente a organizaçõa social de seu povo fictício. O jogo nunca se pergunta, por exemplo,  o que aconteceria caso o culto dos deuses fosse substituído por monoteísmo ou se as hierarquias sociais fossem abolidas.

 

Kingdom: Classic contém exemplos tanto de mudanças determinísticas quanto emergentes. No caso das primeiras, seu assentamento pode ser elevado a um grau civilizacional maior, dando acesso a novos edifícios e itens. No caso das últimas, sua sociedade virtual adquirirá perfis econômicos diferentes dependendo de quantos camponeses você recrutar e que itens estarão disponíveis a eles. Ainda assim, a lógica social de base de sua Idade Média fictícia nunca muda. Seu único future possível é ser engolida por uma horda de monstros que inevitavelmente derrubará suas muralhas.

 

Para que um jogo de fato enderece o problema da mudança histórica tal como é feito pela narrativa histórica tradicional, ele precisara abraçar mais ousadamente o gameplay emergente, de maneira que suas próprias mecânicas se alterassem com o tempo. Um game do tipo poderia começar como um simulador de fazenda, tornar-se um simulador de comércio na metade e terminar como um RPG pós-apocalíptico em uma único jogo. Em uma segunda jogatina, poderíamos observar humanos serem extintos logo no início e ter de abraçar novos agentes pós-humanos,  naturais ou artificiais. É possível que tal jogo ofereça hipóteses de desenvolvimento humano que nós mesmos estamos por fazer.

 

Jogos como esses estão além da capacidade das ferramentas de game design elencadas no início dessa seção. No entanto, eles podem muito bem se tornar uma realidade no futuro se nós de fato observarmos o advento de culturas criadas por máquinas, como Reinhart prevê. As regras e códigos de tais jogos serão escritas pelo próprio software, mas  nada impede que suas premissas fundamentais sobre a sociedade humana sejam informadas por ideias acadêmicas. Quanto mais historiadores e arqueólogos aprenderem a modelar suas teses em simulações lúdicas, mais preparados estarão para se beneficiar de – e contribuir para – esta tecnologia quando se tornar disponível.

 

Referências biográficas

 

Vinicius Marino Carvalho é doutorando em história econômica na Universidade de São Paulo, pesquisador do Laboratório de Estudos Medievais (LEME), Núcleo USP, e do grupo de pesquisa Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (ARISE). Sua pesquisa é desenvolvida com amparo da FAPESP, processo 2017/14023-3

 

Referências bibliográficas

 

AXELROD, Robert. The Complexity of Cooperation: Agent-Based Models of Competition and Collaboration: 3. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1997.

BRAIDOTTI, Rosi. The Posthuman. 1st edition. Cambridge, UK ; Malden, MA, USA: Polity, 2013.

CAMPBELL, Bruce M. S. Nature as historical protagonist: environment and society in pre-industrial England. The Economic History Review, v. 63, n. 2, p. 281–314, 2010.

CHAPMAN, Adam; FOKA, Anna; WESTIN, Jonathan. Introduction: what is historical game studies? Rethinking History, v. 21, n. 3, p. 358–371, 2017.

CHATTOE-BROWN, Edmund; GABBRIELLINI, Simone. How Should Agent-Based Modelling Engage With Historical Processes? In: JAGER, Wander; VERBRUGGE, Rineke; FLACHE, Andreas; et al (Orgs.). Advances in Social Simulation 2015. Cham: Springer International Publishing, 2017. (Advances in Intelligent Systems and Computing). Disponível em: <https://www.springer.com/gp/book/9783319472522>. Acesso em: 30 mar. 2021.

FRASCA, Gonzalo, Videogames of the Oppressed: Videogames as a Means for Critical Thinking and Debate, Dissertação de mestrado, Georgia Institute of Technology, Atlanta, 2011, p. 47.

HOUGHTON, Robert. Reigns: The Great, Simple, King Simulator with a “Dark Ages” Problem. The Public Medievalist, 3 out. 2019. Disponível em: <https://www.publicmedievalist.com/reigns/>. Acesso em: 30 mar. 2021.

JESPER, Juul; MÄYRÄ, Frans. The Open and the Closed: Games of Emergence and Games of Progression. In: Proceedings of Computer Games and Digital Cultures Conference. Tampere: Tampere University Press, 2002, p. 323–329. Disponível em: <http://www.digra.org/wp-content/uploads/digital-library/05164.10096.pdf>.

KLAEHN, Jeffery. An Interview with David Dunham, lead designer of King of Dragon Pass. Loading..., v. 10, n. 15, p. 41–46, 2016.

MIDSON, Scott A. Cyborg Theology: Humans, Technology and God. London: I.B. Tauris, 2017.

MITCHELL, Melanie. Complexity: A Guided Tour. Oxford: Oxford University Press, USA, 2011.

PATTERSON, Nerys T. Cattle Lords and Clansmen: The Social Structure of Early Ireland. 2nd edição. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1994.

REINHARD, Andrew. Archaeogaming: Una introducción a la arqueología en y de los videojuegosMadrid: JAS Arqueología S.L.U., 2020.

REINHARD, Andrew. Excavating Atari: Where the Media was the Archaeology. Journal of Contemporary Archaeology, v. 2, n. 1, p. 86–93, 2015.

15 comentários:

  1. Olá Vinícius, tudo bem? Obrigado mais uma vez pela reflexão e pela participação!

    Seu texto é muito instigante e dialoga com o meu. Sendo mais direto, eu costumo criticar game makers do tipo "drag and drop" ou "wysiwyg" porque dependem quase exclusivamente de algoritmos pré-programados por outrem. Estes, por sua vez, seguem premissas já estabelecidas por outros games, além de muitas vezes deixaram de lado a preocupação de vieses "menos antropocêntricos".

    Assim, minha pergunta é: existe atualmente no mercado uma plataforma que tenha tamanho grau de flexibilidade? Como driblar esse problema com game makers que oferecem recursos "de fábrica"?

    Abraços,

    Renan Birro

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    1. Olá Renan.

      Obrigado pelo comentário!

      Os exemplos que eu citei no texto (Twine, Construct, etc) trazem um leque bastante grande de opções – dentro dos gêneros de games que eles foram desenvolvidos a atender. Dá para criar e manipular variáveis customizadas, usar lógica condicional para propiciar desenlaces diferentes, adicionar “rolagens” probabilísticas com parâmetros escolhidos por nós, usar material visual externo, etc.

      A liberdade de escolha não é 100%, mas é BEM grande. É possível, por exemplo, fazer um “jogo da Covid-19” no Construct, em que os NPCs são pessoas infectadas que transmitem o vírus ao PC caso ele passe a menos de 2m de distância enquanto tossem. É possível, também, fazer um jogo em que você joga como a própria doença, fazendo humanos espirrarem em momentos específicos para pular de vítima em vítima. Perceba como, com um pouco de criatividade, mesmo um software feito para criar sidescrollers clássicos pode dar origem a simulações protagonizadas por entidades não-humanas.

      (Aliás, não cheguei a conferir, mas é capaz desse jogo já ter sido feito rs).

      Agora, se você deseja desafiar as próprias convenções de gênero – ex. fazendo um jogo à la "Nier: Replicant", que ora é um RPG, ora um platformer; ora tem uma câmera livre, ora uma câmera fixa, ora nem câmera tem – você usar uma engine, como a Unity ou Unreal. O trabalho que isto dará dependerá do tipo de jogo que pretende fazer, mas é via de regra mais complicado do que usar um software com material pré-pronto. Dito isto, muita gente cria material pré-pronto para as engines também, então às vezes é uma proposta viável.

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    2. Oi Vinícius, bom dia.

      Pensando no público usual, eu tenho tentado pensar em plataformas que sejam simultaneamente acessíveis, flexíveis e que não demandem um tempo exagerado para a produção. Digo isso porque há um estudo do início do século que comprova a necessidade de muitas horas de esforço para o pleno domínio e uso recorrente das ferramentas tecnológicas (+300h e c.3 anos de trabalho...).

      O Unity, por exemplo, não é muito amigável e exige um grande trabalho para a criação dos personagens, além de recursos externos ao game maker (a criação das imagens que emulam a movimentação dos personagens, por exemplo). Assim, eu não vejo muitas possibilidades de aplicá-lo sem colocar os alunos para correr. Por conseguinte, a replicação da experiência na Educação Básica também seria muito difícil - algo que eu me preocupo muito, como professor de cursos de licenciatura e do Profhistória.

      Seja como for, pelo menos temos um alento no futuro: por exigência ministerial, as licenciaturas precisarão oferecer uma disciplina sobre metodologias específicas para as TIC's. é possível que as próximas gerações estarão mais familiarizadas e possamos superar essas dificuldades.

      Forte abraço,

      Renan Birro

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    3. Jogos analógicos (ex. board games) seriam uma alternativa para você, Renan?

      Eles são fáceis e baratos de se desenvolver, além de super tranquilos de modificar. E para alguns gêneros (ex. estratégia, a parte tática dos RPGs) a diferença de jogabilidade em relação a videogames é mínima. Foi por esta razão que decidi fazer "Os Triunfos de Tarlac" como um board game.

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  2. Olá Vinicius!

    Gostaria de te ouvir/ler um pouco mais sobre o seguinte: em primeiro lugar, como você acha que a aproximação entre história e computação pode impactar a nossa maneira de compreender, explicar e, consequentemente, ensinar a história?

    Considerando que os games podem, de fato, servir como "simuladores da história", "tubos de ensaio" onde os historiadores podem experimentar diversas variáveis na composição de modelos explicativos, podemos esperar
    que o game design, enquanto conjunto de parâmetros que regem o funcionamento desses "laboratórios", venha a se constituir, no futuro, como uma linguagem historiográfica "per se"?

    E, por fim, como você acha que o relacionamento entre a história e a computação pode afetar o ofício, a profissão do historiador, na medida em que nós não dominamos a linguagem e a técnica do game design e ele não compõe, ainda, a formação do historiador?

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    1. Olá Felipe,

      Suas perguntas são muito relevantes.

      Sobre o game como um “tubo de ensaio”: Eu não acho que jogos são exatamente uma novidade nesse quesito. Os ABMs que o Andrew Reinhart menciona foram inventados nos anos 1970 e são usados por arqueólogos há um bom tempo. É possível que games históricos popularizem esta abordagem entre historiadores, mas ela a rigor não depende de videogames – aliás, sequer precisa ser digital. O primeiro ABM era 100% analógico, composto de moedas sobre um tabuleiro de damas.

      Agora, a questão da linguagem é muito interessante, pois os videogames têm, de fato, uma linguagem que lhes é própria. Inclusive, cada vez mais me deparo com estudiosos falando em “alfabetização em videogames” (“videogame literacy”). Jogos de um mesmo gênero, por exemplo, quase sempre mapeiam as mesmas ações às mesmíssimas teclas (ex. as teclas WASD sempre são usadas para movimento, o espaço pula, a tecla I abre o inventário). É difícil saber o quão longe isto vai, pois não é simples para aqueles que cresceram com videogames terem noção de toda a “gramática lúdica” que aprenderam para se tornarem gamers. Mas eu imagino que deveremos formalizar esse tipo de conhecimento se videogames se tornarem um formato mais disseminado de trabalhos históricos.

      Finalmente, sobre o ofício do historiador, eu acho que já estamos vendo uma mudança na nossa formação. Já me deparei com livros de referência direcionados à graduação com capítulos sobre SIG e construção de modelos de rede social. Se estas e outras técnicas computacionais continuarem a se popularizar, imagino que cada vez mais elas farão parte do nosso mundo.

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  3. Parabéns, um dos maiores desafios do dia a dia do professor é transformar o aprendizado em uma tarefa lúdica, especialmente no caso das crianças pequenas. Para isso, não é preciso apenas muita criatividade e jogo de cintura para lidar com o pique dos pequenos, mas também instrumentos que atendam as necessidades pedagógicas dos alunos e atraiam o interesse deles. Jogos e brincadeiras são perfeitos para isso. 
    Porém, minha dúvida é: sobre a acessibilidade que o jogo oferece para alunos que possuem alguma deficiência? 
    Cynthia Thayse Vieira Vicente.

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    1. Olá Cynthia.

      Você tocou em um ponto importantíssimo, às vezes negligenciado pela indústria.

      Quanta acessibilidade os jogos oferecem para alunos com deficiência depende da natureza da deficiência em questão. Em termos de deficiências físicas, eu dirigia que os gêneros de estratégia e simulação se saem bem, pois amiúde são estruturados por turno, não exigem grande coordenação/movimentos rápidos e podem ser pausados. Jogos de ação/aventura, RPGs em tempo real e tiro se saem pior. Às vezes, é impossível jogá-los sem a ajuda de controles especiais - e o acesso a este hardware é limitadíssimo.

      Em relação ao daltonismo, certos jogos possuem modos especiais com outros padrões de cor para permitir que pessoas com a condição tenham uma experiência plena. Infelizmente, não são todos. Muitos ainda utilizam contrastes (ex. verde versus vermelho) que parte da população não consegue enxergar.

      Certos jogos podem causar ataques epiléticos em quem tem predisposição a esse tipo de mal. Normalmente, isto é avisado pelos próprios criadores, mas já aconteceu do problema só ser identificado após o lançamento (Cyberpunk 2077, lançado ano passo, é um exemplo).

      Existe também toda uma discussão sobre desenvolvimento de games voltado a pessoas com deficiências cognitivas. Infelizmente, não conheço muito a bibliografia para resumir os achados. Mas sei que há pessoas pesquisando isso.

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  4. Bom dia, primeiramente parabéns pelo texto.. Os jogos podem ajudar sim em aulas, mas não seria melhor oferecer ao aluno pesquisas em livros do que ela passar o tempo todo em computadores? já que assim estimulara eles a ler mais.

    Abraços, Sueli Eva Kwasniewski

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    1. Olá Sueli,

      Obrigado pela pergunta.

      Nenhuma ferramenta é uma panaceia, e as mídias escolhidas para serem trabalhadam em aula devem levar em conta a realidade dos alunos em questão. Também não acho que utilização de um tipo de mídia exclui as outras - é possível passar atividades diferentes usando materiais distintos.

      Dito isso, gostaria de comentar um ponto específico: não é preciso passar o tempo todo em computadores para interagir criticamente com um videogame. Professores às vezes passam trechos de filmes em aulas. Questões de prova (e mesmo de vestibulares) amiúde contém excertos de livros. O mesmo pode ser feito com um jogo: um aspecto específico, interessante àquele público, pode ser trazido à sala e discutido.



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  5. Olá, boa tarde. Primeiramente parabéns pelo texto, durante muito tempo os jogos atraíram preferencialmente o público masculino, como você acha que isso vem mudando ao longo dos anos?
    Lara Karinina Viana de Almeida

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    1. Olá Lara,

      Isso tem mudado muito, já há vários anos. Hoje em dia, mulheres inclusive são a maioria das pessoas que jogam (por uma leve margem).

      Há ainda discrepâncias em gêneros específicos (grande estratégia, por exemplo, ainda é majoritariamente masculino). Mas o mercado já é fortemente misto.

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  6. Gostei muito do seu texto, eu comecei a estudar História pela influência em grande parte da franquia de jogos age of Empires e Age of Mythology que retrata bem a história e costumes das dos povos da época, minha pergunta é: em um futuro será possível mesclar o ensino de história com jogos para se aprofundar ainda mais em determinados assuntos?

    Daniel Augusto Pereira Garcia

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    1. Olá Daniel,

      Essa experiência já é feita em algumas escolas e faculdades.

      O grande limitador é o problema de custo: do hardware, obviamente, mas do software. Com exceção de algumas escolas privadas e/ou experimentais, é inviável adquirir máquinas e programas para toda uma turma. Há também a questão do treinamento dos professores. Como o Felipe bem pontuou em outro comentário, isto ainda não é parte da nossa formação (e eu diria que isso vale até mesmo para jogos analógicos, como board games).

      Porém, já há casos de escolas que instituíram grupos de estudo avançado/extracurriculares trabalhando diretamente com games. Então sua ideia de usar jogos para se aprofundar em certos assuntos é viável sim

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