Renan Marques Birro

ENSINO DE HISTÓRIA MEDIEVAL E GAMIFICAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DO RPG MAKER (1995-2003)

 

Renan Marques Birro

 

 

O interesse dos historiadores no desenvolvimento de jogos e em processos de gamificação cresceu de maneira assombrosa no Brasil durante os últimos anos. Em grande medida, essas preocupações absorvem discussões do Ensino de História, sobretudo aquelas que privilegiam a utilização de recursos digitais e que estão mais conectadas com a realidade cotidiana dos(as) educandos(as). Para muitos, assim como eu, uma saída relevante tem sido o desenvolvimento de games e de processos de gamificação de atividades e avaliações como uma importante estratégia de engajamento e de ensino-aprendizagem (BIRRO, 2019; BOLLER & KAPP, 2018; COSTA, 2017; ALVES, 2014; FADEL et al, 2014).

 

Entrementes, junto com novas ferramentas, metodologias e recursos, mais pesquisadores têm se esforçado diretamente ao campo da História Digital, ou indiretamente através do acalorado debate em torno da História Pública. Neste sentido, a reflexão sobre a influência dos jogos digitais na aprendizagem histórica, além de seus usos e seus abusos, tem se mostrado um campo promissor e capaz de agregar cada vez mais interessados (MENESES, 2018; LUCCHESI & CARVALHO, 2016; ALMEIDA & ROVAI, 2011).

 

Quanto ao papel desempenhado pelos games, lancei algumas premissas noutra edição deste evento que continuam profundamente válidas: graças à tecnologia do encantamento, os jogos digitais atraem e envolvem os estudantes de tal modo e tão rapidamente que fazem com que os games projetem uma “realidade da representação” muito poderosa. Consequentemente, a “realidade do game”, suas representações e ideias parecem muito mais concretas ao estudante do que aquela do livro didático, da lousa, do giz e do “cuspe” - ou seja, do ensino tradicional e mais recorrente na realidade brasileira. No entanto, eu acredito que é possível inverter esse processo, uma vez que basta que o Ensino de História se engaje na produção de games e aproveite a agência estudantil em prol de uma aprendizagem mais ativa (BIRRO, 2019).

 

Como complemento, se bem criticados, instrumentalizados e usados, os jogos digitais indubitavelmente se adequam perfeitamente ao escopo da mídia-educação, uma vez que são capazes de articular a preocupação educacional-pedagógica com um efetivo princípio comunicacional; em segundo lugar, eles empregam a mídia como uma metodologia didática; e, por fim, eles fazem da mídia-educação uma educação com os próprios meios (FANTIN, 2006, p.85-86).

 

Porém, algo que foge recorrentemente dessas análises é o papel que a plataforma utilizada desempenha subrepticiamente ao moldar o produto/resultado. Um bom exemplo são as iniciativas de gamificação que empregam ferramentas de formulário, que foram amplamente divulgadas no ano passado em virtude da pandemia (LEAL, 2020a; LEAL, 2020b). Ao adotá-las visando uma inovação/renovação metodológica, o(a) professor(a) inevitavelmente corre o risco de promover um solapamento epistemológico entre diferentes campos científicos, que em muito se assemelha ao processo adotado nas avaliações com questões de múltipla escolha, que oferecem apenas uma alternativa correta. Como é possível constatar, tal mecanismo avaliativo pressupõe silenciosamente que a História detém uma única narrativa/resposta possível para determinado fenômeno histórico, em vez de advogar em benefício de diversos agentes e formas de descrever a realidade, que variam conforme o ponto de vista do observador (WINEBURG, 1991). Deste modo, um processo de gamificação ingênuo pode se tornar uma versão gourmet da prova objetiva, fomentando um efeito devastador na concepção de História de muitos estudantes da educação.

 

Doutra feita, quando consideramos a interseção entre os games e o Ensino de História Medieval, principalmente dos Role-Playing Games (jogos de interpretação de papéis ou RPG’s), é impossível evitar contatos com o medievalismo pop ou com a fantasia medieval. Enquanto o primeiro conceito abarca a fusão de mídias e da cultura de massa influenciadas pelo passado medieval (LABBIE, 2015, p.21-29), o segundo não deve ser considerado como uma mera forma de escapismo, ou ainda como uma descrição de situações não-reais e uma tendência da sociedade hodierna, mas como um gênero de mídias enraizado nas influências medievais no qual, quase sempre, o mágico e o maravilhoso são os paradigmas governantes (CRAMER, 2010, p.ix).

 

Seja como for, os RPG’s manifestam uma vantagem importante nesta análise: a maioria dos jogos digitais ligados ao período medieval pertence ao gênero, juntamente com jogos de estratégia e simulação (TRAXEL, 2008, p.126-127). Ademais, conquanto eu tenha mencionado o poder da “realidade da representação” nos games, os RPG’s proporcionam outro diferencial, visto que o jogador não assume uma posição mais passiva; em vez disso, ele atua como uma espécie de coautor, determinando suas escolhas a partir de um leque relativamente amplo de possibilidades (ROBINSON, 2008, p.123).

 

Assim, nesta ocasião, eu pretendo aprofundar a análise sobre a produção de games a partir de uma famosa e saudosa plataforma: o RPG Maker (versões 1995-2003). Minha intenção foi apresentar a trajetória de criação da plataforma, os recursos disponíveis e como diversos elementos estruturais que estão no entorno da ferramenta podem alimentar uma visão problemática, preconceituosa e até mesmo perturbadora do período medieval.  

 

Breve histórico e reflexão sobre o RPG Maker

 

RPG Maker nasceu em 1992 sob a alcunha de RPG Tsukūru Dante 98, desenvolvido para a plataforma PC japonesa NEC PC-9801. O termo tsukūru é um inteligente trocadilho entre os verbos tsukuru (fazer, criar) e tsūru (ferramenta), expressando assim a concepção real do software (algo como “ferramenta de criação de RPG’s”). Ele desponta como o principal recurso para a elaboração precoce e home made de RPG's digitais em duas dimensões (2D), conquanto algumas iniciativas para a gamificação de RPG's do tipo texto tenham iniciado no final da década de 1980 - porém, sem o mesmo sucesso (KILMÄAHO, 2019, p.22; ITO, 2007, p.131).

 

Neste sentido, o RPG Tsukūru Dante 98 poderia ser executado tanto por usuários do sistema operacional Microsoft-DOS (MS-DOS) ou equivalentes quanto por posteriores usuários do Windows 95 (que ainda contava com o MS-DOS como um complemento para muitos softwares). Apenas em 1995 foi criada a primeira versão exclusiva para o Windows, intitulada RPG Tsukūru 95 (ITO, 2007, p.131-132).

 

Curiosamente, a versão para o Windows 95 foi traduzida para a Língua Inglesa a priori em uma versão não-autorizada, mas que obteve rápido sucesso ao extrapolar as fronteiras japonesas e fincar seus pés no Ocidente. Este caso não foi único na história da plataforma: o mesmo correu cinco anos depois com o RPG Maker 2000, quando uma tradução “pirata” e ruim, porém acompanhada de um game de exemplo, foi a principal responsável pela extrema popularização desse game maker tanto no mercado oriental quanto no ocidental (REED, 2020, p.106-107). Neste momento, a ferramenta aos poucos passou a abdicar de recursos de desenvolvimento ainda vinculados aos antigos padrões tipo texto, para atender um público interessado no desenvolvimento de games, mas que não estava familiarizado com noções avançadas de programação.

 

Entrementes, a partir desse movimento entre sistemas operacionais e da mudança do público-alvo do RPG Tsukūru, a empresa proprietária da ferramenta (Enterbrain) lançou uma versão oficial em Língua Inglesa (conhecida no Japão como RPG Tsukūru 3) batizada como RPG Maker, que pretendia estimular o desenvolvimento de RPG's digitais em 2D para o console Playstation da Sony. Esta preocupação catapultou a quantidade de desenvolvedores amadores, pois, a partir desse momento graças a esta ou a outras versões da plataforma, os jogadores puderam elaborar games tanto para usuários de PC quanto para consoles e portáteis (como Game Boy Color, Game Boy Advance e Nintendo DS).

 

Ao considerar a qualidade gráfica e sonora dos games desenvolvidos a partir dessa ferramenta, com especial apreço para as versões mais antigas (95, 2000 e 2003), logo se destaca a riqueza de cores, a capacidade de produzir games com cenários elaborados (uso de sombras, árvores, níveis internos e externos), cores, diálogos, trilha sonora, efeitos sonoros e condicionais (se, enquanto, loops)(BITTENCOURT & GIRAFFA, 2003a, p.45). Naturalmente, essas qualidades mostram-se defasadas hoje em dia, mas se adequaram aos gráficos usados no principal console japonês, o Super Famicom (no Ocidente, Super Nintendo ou SNES)(ITO, 2007, p.131). Essas características permaneceram no mainstream dos RPG's digitais desenvolvidos no Japão em boa parte da década de 1990 (para consoles) e 2000 (para portáteis).

 

Além dos aspectos apontados, as cores, a resolução da tela e os recursos disponíveis manifestam qualidades muito avançadas para uma época em que os computadores pessoais dispunham relativamente de pouca capacidade de armazenamento, gráfica e de processamento. Ademais, naquele período vigorava uma circulação restrita de materiais voltados para a programação facilitada, sobretudo da programação que dispõe de uma interface gráfica do utilizador (Graphical User Interface ou GUI) para leigos (cf. imagem 1).

 



Imagem 1 - Exemplo de telas do RPG Tsukūru Dante 98, com destaque para as cores, os cenários, a caixa de diálogos e dos personagens que integram o diálogo. Fonte: Speed-New (2021).


 

Quanto aos recursos de elaboração de jogos, nota-se a adoção de menus adicionais e laterais (à direita ou à esquerda) com funcionamento do tipo drag and drop ("arrastar e soltar"), no qual ficam disponíveis as tiles (lit. "azulejos" ou "telhas", isto é, pequenos retângulos com elementos do cenário como paredes, árvores, arbustos etc.), os tipos-padrões de personagens (characters) e os níveis disponíveis na plataforma. A intenção desse recurso era explorar ao máximo os recursos propiciados pela combinação entre plataforma e o mouse, além de oferecer uma interface mais amigável (user-friendly) na produção dos games por entusiastas (cf. imagem 2).

 




Imagem 2 - Reprodução do editor de cenários do RPG Tsukūru Dante 98. À direita, o menu com characters (parte superior) e tiles (parte inferior). Fonte: RPG Maker Forum (2021).


 

Para além dessas características, Kenji Ito atestou que se exige muito pouco do desenvolvedor para a criação de um game empregando o RPG Maker: primeiramente, é preciso inserir vários personagens não-jogáveis (Non-Playable Characters ou NPC’s) e objetos nos mapas/níveis; em segundo lugar, comportamentos e rotinas devem ser agregados aos personagens e objetos, incutindo neles sequências lógicas (algoritmos); em terceiro, basta incluir o personagem principal (herói ou heroína) na posição inicial especificada pelo desenvolvedor. O estabelecimento de comportamentos ou rotinas é facilitado pela inclusão de comandos padronizados e pré-estabelecidos, além da possibilidade de copiar códigos (scripts) disponibilizados por outros desenvolvedores online (2007, p.131-133).

 

Apesar dessas nítidas vantagens e dos subsistemas que contribuem para uma experiência gráfica e lúdica plena (editor de mapa, editor de eventos do jogo, diálogos, sistema de administração de inventário, sistema de status do personagem/herói e sistema de batalha, entre outros), ao observar as telas dos games, percebe-se a visão restrita do jogador, que assume uma posição top-down ou visão de pássaro (bird’s eye view). Sobre tal aspecto, como bem apontaram Bittencourt e Giraffa, o RPG Maker emula, assim como a maior parte dos makers dessa linha, a criação de “RPG's digitais clássicos”, isto é, com um único jogador, tramas limitadas e, não raro, lineares (2003b, p.688).

 

De maneira pouco surpreendente, uma experiência de gamificação com o RPG Maker 2003 e estudantes da Educação Básica no Brasil demonstrou que há uma convergência em narrativa linear e as iniciativas desenvolvidas pelos(as) educandos(as), de maneira que "o jogador não tinha diferentes opções, apenas vencia os obstáculos e continuava seguindo em frente com o desenrolar da narrativa" (CRUZ & ALBUQUERQUE, 2014, p.117). Com efeito, há um paradoxo entre a pretensa liberdade do RPG e a ação do jogador, que é limitada por aquilo que o game permite ou não (TRAXEL, 2008, p.134). No entanto, boa parte dos players defende explicitamente ou implicitamente as noções de “liberdade” e possibilidades de narrativas multilineares. Na contramão disso, a comunidade em torno e a estética gerada por essa comunidade muitas vezes afeta decisivamente a agência dos desenvolvedores (REED, 2020, p.99).

 

De fato, entre as hipóteses para tal opção entre os participantes do experimento, os autores elencaram que os(as) estudantes-desenvolvedores podem ter sido influenciados pelas "experiências com jogos lineares que utilizaram como referência para a criação" (CRUZ & ALBUQUERQUE, 2014, p.118), conquanto não tenham sugerido qualquer limitação ou tendência estrutural e intrínseca da plataforma RPG Maker.

 

RPG Maker e seus recursos medievalizantes

 

Diante do exposto, avançarei para as ponderações sobre os tipos preponderantes de representações gráficas compartilhadas nessas comunidades, tal como nos games "caseiros" que servem muitas vezes de parâmetro para desenvolvedores iniciantes. Até que ponto esses recursos condicionam as ideias transmitidas sobre o período medieval (real, pretensa ou fantasiada)? Em que medida elas determinam os moldes narrativos de RPG's que recorrem a essas plataformas de desenvolvimento e até mesmo restringem a liberdade de narrativas inovadoras?

 

Para a presente finalidade, inicialmente atentei ao conjunto de tiles characters que o(a) desenvolvedor(a) tinha acesso quando iniciava a produção do game. Nas primeiras versões do RPG Tsukūru/RPG Maker, os tilesets characters ficaram restritos àqueles ofertados originalmente pelo desenvolvedor da ferramenta (FIADOTAU, 2019, p.223). Porém, conforme a comunidade de desenvolvedores amadores cresceu, novas opções de pacotes de tiles (tilesets packs) passaram a ser disponibilizadas inicialmente em revistas especializadas através de disquetes e cd’s e, posteriormente, em sites. Com alguma frequência, essa comunidade se inspirava ou até mesmo copiava cenários, personagens, trilhas sonoras e efeitos dos RPG’s comerciais bem sucedidos, estabelecendo assim um rico espaço de trocas entre desenvolvedores amadores/diletantes e profissionais.

 

Apresentarei agora um breve panorama de personagens e tilesets “de fábrica” do RPG Maker 95. Em virtude da dimensão textual exigida neste evento, não será possível propor uma análise iconográfica; no entanto, a mera evocação já oferece aos leitores um bom panorama daquilo que identifiquei. Observando o primeiro grupo evocado, o desenvolvedor tem à disposição uma série de seres pretensamente ligados ao medievo fantástico: dragões, demônios alados, personagens aparentemente transmorfos e humanóides (lobisomens e homens-lagarto), fadas, bruxos(as) e anões compõem o rol de possíveis personagens, juntamente com reis, rainhas, príncipes(esas), bufões, guerreiros vestindo elmos com chifres, arqueiros, monges etc.

 

Os elementos supracitados seguem na direção daquilo que Oliver Traxel constatou, a saber, do conjunto de elementos medievalizantes (tratados pelo autor como pseudo-medievais) que pode ser facilmente identificado na essência dos próprios personagens dos games ou em atributos diretamente ligados a eles, como armas, roupas elaboradas e locais extraídos de mitos pós-medievais. Quantos aos equipamentos de guerra, há uma verdadeira obsessão nas representações medievais, como espadas, maças e lanças, além de capacetes, cotas de malha, couraças, escudos e elmos (TRAXEL, 2008, p.130).

 

Além dessas características, Oliver Traxel fez referência a recursos puramente fantásticos e sobrenaturais, como personagens não-humanos (anões, criaturas da floresta, demônios, elfos e trolls), mágicos (bruxos e bruxas, feiticeiros e feiticeiras, espíritos-guia etc.) e fantásticos (demônios, dragões e orcs). Naturalmente, não se tratam de elementos estranhos ao medievo, uma vez que são identificados na literatura e na cultura popular da época, mas que são derivados de criações bastante livres de fases pós-medievais (TRAXEL, 2008, p.132).

 

Quando observei os tilesets da plataforma, constatei a presença de cenários gelados aos marítimos, e destes aos desérticos; de ambientes rurais a altamente urbanos com construções com telhas amarelas, azuis ou vermelhas, tal como castelos de pedra. Sobre os ambientes internos, boa parte envolve pedra (e não madeira, como era de se esperar), janelas e objetos que não remetem ao período, como uma armadura completa (típica da época do renascimento), órgão de tubos ou bibliotecas com obras encadernadas. Tudo isso foi disposto lado a lado, o que certamente pode induzir o(a) desenvolvedor(a) a considerar todos esses elementos contemporâneos uns dos outros e, portanto, naturais. Além disso, pode incorretamente sugerir que todos esses recursos estão vinculados ao período medieval.

 

Seja como for, os recursos apontados desnudam uma verdadeira obsessão pela ambientação arquitetônica da Idade Média, manifesta principalmente a partir dos castelos. Neste ponto, é importante frisar que tal “mundo de pedra” é muito mais caro às noções medievalistas modernas do que ao próprio período medieval. Além disso, a característica ambígua do meio urbano é recorrente nos RPG’s digitais, que tendem de elementos mais concretos a outros enraizados na fantasia medieval, como nas cidades da Terra Média de J.R.R. Tolkien e obras similares (TRAXEL, 2008, p.130).

 

Na esteira dos exemplos citados, cito minha visita a um dos principais fóruns brasileiros na web dedicados ao RPG Maker, no qual há uma central de recursos que disponibiliza um pacote (pack) intitulado "reino medieval". O registro foi inserido em 2017, com interações entre os usuários até março de 2019. Entre os characters ofertados, há as curiosas presenças de princesas com chifres e cavaleiros com armadura completa, mas que lutam a pé, com escudo, espada e lança. Quanto aos tilesets, temos mais uma vez castelos de pedra com seteiras e torreões, flâmulas e bandeiras. Para além deles, não há outras imagens com referências a ambientes urbanos, apenas rurais (CENTRO RPG MAKER, 2021).

 

O autor da postagem original informou que o pack original dispunha de "pouca coisa" e, por esta razão, ele vasculhou a internet inteira para "juntar guerreiros, realeza e guardiães [...] monsters [...] e chipsets de castelos [...]" (CENTRO RPG MAKER, 2021). Ao notar a última interação, percebe-se que os recursos “originais” tinham sido criados no Japão, o que reforça a impressão de uma comunidade que recicla, reapropria e ressignifica os recursos do RPG Maker continuamente.

 

Neste ponto, não há dúvidas que os meios originais de circulação dessas ferramentas, assim como de diálogo entre desenvolvedores amadores, formatou não apenas comunidades (CAMPER, 2005), mas uma estética própria compartilhada por esse conglomerado de interessados no desenvolvimento de games (REED, 2020, p.99-123). Ademais, esta questão abrange diretamente a íntima conexão entre o medievalismo/neomedievalismo nos termos de Umberto Eco (1986; 1984) e a Idade Média imaginada e sonhada das décadas de 1980 e 1990 - período em que princípios medievalizantes caminharam em paralelo com RPG's e sua difusão global.

 

Deste modo, à luz desses RPG's digitais, "monstros, mágica e mitos misturam-se com pessoas, lugares e coisas que realmente refletem a vida medieval" (TRAXEL, 2008, p.137). Porém, diferentemente de casos literários como O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien, os elementos medievalizantes nos games digitais projetam separações mais radicais entre seus elementos e as circunstâncias históricas daquele período (TRAXEL, 2008, p.137).

 

Considerações finais

 

Como foi possível constatar, é preciso considerar inicialmente a estrutura da plataforma ao recorrer ao RPG Maker para desenvolver projetos educacionais, uma vez que ela condiciona em grande medida as possibilidades de criação de games. Para Kenji Ito, a interface simples e amigável da ferramenta possibilita até mesmo o desenvolvimento de jogos de outros gêneros, como adventurepuzzle, estratégia, de tiro e ação (ITO, 2007, p.132). Porém, eu tendo a concordar com Mikhail Fiadotau ao apontar que, apesar da riqueza de recursos, como tiles, personagens, trilhas sonoras e efeitos sonoros, o RPG Maker herdou uma característica singular de seu antecessor, o RPG Tsukūru: mesmo sendo um mecanismo de produção de RPG's e por mais flexível que possa parecer, a plataforma parece se enquadrar melhor na definição de jogo customizável (2015, p.2).

 

Outro depoimento caminha em um sentido similar. Reed atestou que tiles, personagens, trilhas sonoras e efeitos copiados de RPG's populares "foram formatados para ser facilmente importáveis ao RPG Maker, isto é, modificados, remixados e distribuídos nos fóruns" (2020, p.108). Outrossim, mesmo quando os desenvolvedores não recorrem aos recursos gráficos alheios, eles descrevem suas produções como "fazer o seu próprio Legend of Zelda, Final Fantasy" ou similares (HUREL, 2016, p.3), o que configura em uma dependência conceitual que certamente imprimiu sequelas estilísticas e narrativas nas iniciativas não-comerciais e “amadoras”.

 

Paradoxalmente, em termos de apropriação, uma análise de uma comunidade digital de desenvolvedores amadores franceses mostrou que "eles se sentem como donos ou autores dos games que criam [...]" (HUREL, 2016, p.3). Além disso, enquanto comunidade, eles não consideram negativo utilizar os recursos disponíveis no RPG Maker, uma vez que a base de dados gráficos pré-existentes "é vista como suficiente para fazer um RPG" (HUREL, 2016, p.3-6). Porém, apesar dos recursos de uso massificado e genérico, eles pretensamente não eliminam a originalidade e a liberdade dos desenvolvedores.

 

Apresento ainda duas perguntas relacionadas e que devem ser pontualmente respondidas: quais as razões e o impacto desse medievalismo nos games digitais? Conforme Traxel, a fluida interpenetração se deve à interatividade típica das mídias digitais; além disso, que as percepções do período são melhores para o jogador do que o aquilo que de fato se passava em época; e, em último lugar, que a simultânea proximidade e distância do medievo e a cultura ocidental agiriam para forjar diferentes culturas, épocas e mitos pós-medievais em construções típicas do medievalismo pop contemporâneo (2008, p.138).

 

Portanto, identifica-se um fluxo de elementos medievalizantes que alimentou e alimenta essas comunidades a partir dos games desenvolvidos por companhias comerciais e de ampla circulação; estas, por sua vez, buscam inspiração nas grandes produções para criar suas próprias versões dos games que gostam de jogar (McCREA, 2013, p.179). Ao mesmo tempo, ocorre uma naturalização de representações e ideias que representam realidades virtuais medievalizantes tanto no círculo comercial quanto no diletante.

 

Por fim, eu gostaria de frisar que o RPG Maker alcançou sua posição privilegiada por ser "acessível" - mesmo que esta palavra deva ser problematizada. Sua acessibilidade ocorre em termos financeiros (baixo custo ou gratuito), performance do aparelho (baixa), em termos de interface do usuário/desenvolvedor (amigável e simples) e da facilidade de posterior disponibilização do material. Porém, o formato de desenvolvimento é restrito, uma vez que é preciso se conformar aos recursos disponibilizados pela plataforma, seja no conjunto de tiles e personagens, por exemplo, seja na própria dinâmica da visão do jogador ou nos princípios de jogabilidade (REED, 2020, p.108).

 

"Todos os jogos expressam e incorporam valores humanos. De noções de justiça às ideias profundas sobre a condição humana, os jogos oferecem uma arena atraente onde pessoas atuam suas crenças e ideias" (FLANAGAN & NISSELBAUM, 2018, p.19). Assim, é preciso abdicar da ideia ingênua e pueril que apenas a narrativa comunica valores e princípios (positivos, negativos ou neutros), mas não os aspectos técnicos de determinada plataforma. A rigor, eles podem contribuir igualmente na moldagem e reprodução de ideias, quer pela presença de recursos pré-fornecidos pelo fabricante da plataforma, quer pelas influências dos games comerciais, quer ainda no emprego de packs de tiles e characters, uma vez que eles se integram aos mecanismos de trocas mútuas entre a comunidade de desenvolvedores, os jogos comerciais e representações do senso comum.

 

Referência biográfica

 

Renan Marques Birro é professor de História Medieval e de Ensino de História Medieval da Universidade de Pernambuco/Campus Mata Norte (UPE/MN); além disso, é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (Profhistória) da UPE/MN e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (PPGH/UFPE). Ele atua como pesquisador do Leitorado Antiguo (UPE), do Laboratório de Produção Audiovisual Educacional (UPE), do Linhas - Núcleo de Estudos sobre Narrativas e Medievalismos (UFRRJ), do Laboratório de Teoria e História das Mídias Medievais (USP) e do Grupo de Pesquisa Leituras da Escandinávia Medieval (UEL). renan.birro@upe.br

 

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RPG MAKER FORUM. Old RPG Maker Stuff. No, I really mean it. Disponível em rpgmaker.net Acesso em 18 abr. 21.

 

SPEED-NEW. RPG Tsukūru Dante 98. Disponível em speed-new.com Acesso em 18 abr. 21.

 

TRAXEL, O. M. Medieval and Pseudo-Medieval Elements in Computer Role-Playing Games: use and interactivity. Studies in Medievalism XVI, p.125-142, 2008.

 

VOGEL, Michael. Japanese independent game development. Dissertação. Atlanta: Georgia Institute of Technology, 2017.

 

WINEBURG, S.S. On the Reading of Historical Texts: Notes on the Breach Between School and Academy. American Educational Research Journal 28, p.495-519, 1991.

21 comentários:

  1. Oi Renan. Amei seu trabalho! Mas tenho uma pergunta: pela sua experiência, é possível um professor, da rede básica por exemplo, sem muita experiência em programação de games, conseguir elaborar um jogo pelo RPG maker? Vocês oferecem curso para interessados?

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    1. Olá Cláudia, obrigado pela pergunta!

      Sim, é possível. A grande dificuldade a meu ver é a familiaridade com a plataforma. No entanto, lembro que o RPG Maker tem algumas limitações (o desenvolvimento depende de um computador e, dependendo da versão, só pode ser jogado no computador também). Consequentemente, essa plataforma pode se tornar excludente em uma realidade de aparelhos mobile.

      No próximo semestre ofertarei uma disciplina sobre o desenvolvimento de RPG's digitais, que será transformada em um curso autoinstrucional, mas usarei uma plataforma que considero mais amigável.

      Abraços,

      Renan Birro

      Abraços,

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  2. Boa tarde Renan.

    Não seria possível utilizar os estereótipos presentes no RPG Maker ao favor do docente? Por exemplo, pode-se, creio eu, utilizar os elementos fantasiosos como exemplos de desmistificação de tais fantasias para os alunos. Sendo assim, uma possível atividade seria um desafio: criar um game de RPG medieval usando elementos fidedignos à realidade histórica e não utilizar os anacrônicos e/ou fantasiosos.
    Pergunto então se tal uso desmistificador é possível com o uso do RPG Maker, ou se as limitações da plataforma impedem esta abordagem mais metalinguística, de usar as próprias inconsistências para corrigir um imaginário de inconsistências.

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  3. Boa tarde Renan.

    Não seria possível utilizar os estereótipos presentes no RPG Maker ao favor do docente? Por exemplo, pode-se, creio eu, utilizar os elementos fantasiosos como exemplos de desmistificação de tais fantasias para os alunos. Sendo assim, uma possível atividade seria um desafio: criar um game de RPG medieval usando elementos fidedignos à realidade histórica e não utilizar os anacrônicos e/ou fantasiosos.

    Pergunto então se tal uso desmistificador é possível com o uso do RPG Maker, ou se as limitações da plataforma impedem esta abordagem mais metalinguística, de usar as próprias inconsistências para corrigir um imaginário de inconsistências.

    Marcos Gabriel Ruas Benedito (favor apagar o comentário não assinado acima)

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    1. Olá Marcos, tudo bem? Obrigado pela pergunta.

      Minha comunicação/texto tenta alertar o impacto da cultura digital nas relações socioculturais em vez de naturalizá-las. Se o(a) docente estiver consciente dessa questão e trabalhá-la a contento com seus alunos, não vejo dificuldades. Porém, pelo que pude constatar em experiências no país e no exterior, essa etapa raramente é executada.

      Espero ter respondido a contento,

      Renan Birro

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  4. Bom dia, Renan. Parabéns pelo trabalho! Muito consistente!

    A temática de jogos medievais já é muito impregnada por mitos, lendas e como você bem citou a "fantasia pop". Como usar uma ferramenta destas em sala de aula e não sair no lugar comum de reforçar essa mitologia sobre o período medieval. Outra pergunta, é possível criar um jogo semelhante sobre o período moderno e ou contemporâneo?

    Henrique Saraiva Louvem

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    1. Olá Henrique, tudo bem? Obrigado pela pergunta.

      Sim, é possível! Citando o caso específico do RPG Maker, é possível agregar recursos estéticos mais bem ambientados ao cenário moderno e contemporâneo. Porém, o trabalho para tanto é grande, nem sempre sendo factível a criação do zero. Naturalmente, é possível reaproveitar recursos criados por outros usuários, mas os problemas aqui apresentados podem ser reforçados mais uma vez - no entanto, aplicados a outro período/contexto.

      Abraços,

      Renan Birro

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  5. Olá. Renan. Você falou bastante dos aspectos imagéticos do RPG maker, mas fiquei me perguntando do que pensa das estruturas de game design propriamente ditas. Decerto, é possível fazer um jogo que utilize tiles e personagens medievalistas, mas cujo conteúdo não tenha nada a ver com a Idade Média ou fantasia, não? Focar demais nos aspectos visuais não seria perder de vista o mais importante?

    Aliás, tenho um exemplo concreto. O Shawn Graham deu um curso em que um grupo de alunos desenvolveu um jogo sobre a primeira guerra mundial utilizando assets medievalistas (os soldados, por exemplo, usam armaduras em vez de fardas): https://epress.trincoll.edu/webwriting/chapter/graham/

    Outra coisa: não é o caso da versão do software que você analisou, mas há jogos comerciais feitos com encarnações mais recentes do RPG Maker que devem pouquíssimo aos games clássicos que inspiraram o programa. (Ex. “Rakuen” ou “To the Moon”). A existência destes jogos não valida a hipótese de Cruz e Albuquerque de que o viés está nas referências dos criadores, não no software em si?

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    1. Olá Vinícius, obrigado pela pergunta!

      Naturalmente, a criação é livre e se os desenvolvedores abertamente informam sobre as adaptações, eu considero totalmente legítimo e de fato não vejo problema algum. O problema é a associação/intenção ingênua do desenvolvedor, que considera criar um "pack medieval" ou um "game medieval", ou ainda quando recorre aos recursos dessa natureza oferecidos em comunidades de maneira impensada.

      Sobre a questão da agência, creio que ela é compartilhada: não pertence só ao software, ao desenvolvedor ou ao conjunto de desenvolvedores em comunidade, que trocam experiências e ferramentas de desenvolvimento de games. A meu ver, é o que parece mais coerente considerando concomitantemente o campo das Humanidades Digitais e a própria teoria da agência.

      Espero ter respondido. Se algo ficou sem responder, pode me cobrar novamente.

      Abraços,

      Renan Birro

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    2. Respondeu sim!

      Um follow-up: essas threads de fóruns que você menciona estão "arquivadas" e/ou disponibilizadas em algum lugar? Parece-me um excelente material para estudar esse público mais a fundo.

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    3. Oi Vinícius, bom dia.

      Elas estão disponíveis online. Se você jogar o título do fórum e do pack no Google, certamente encontrará de primeira. Há portais similares em muitas línguas, além de trabalhos que estudam o desenvolvimento de agências e estéticas compartilhadas (sei ao menos de trabalhos sobre a comunidade nas Línguas Francesa, Inglesa e Italiana; naturalmente, tudo nasceu no Japão, mas não quis ir muito além disso). De fato, uma leitura combinada de diferentes comunidades seria muito legal, até para ver como esses recursos circulam, são adaptados e eventualmente reempregados em suas comunidades de origem.

      Abraços,

      Renan Birro

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. trabalho incrível, quero agradecer por essa contribuição sobre gamificação no ensino da história medieval que tem crescido muito nos últimos anos

    minha pergunta é diretamente sobre gamificação, sabemos que existem diversas práticas de ensino que sai daquele sistema mecanizado e que dificulta bastante o processo de aprendizagem, mas existe algum método pedagógico específico de ensino que poderíamos utilizar como um possível escape da utilização de uma gamificação ingênua no ensino da história para que não se torne algo “gourmet”?

    Thiago da Cruz Félix

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    1. Olá Thiago, tudo bem? Bom dia. Muito obrigado pela pergunta.

      Como você pode constatar um pouco acima, o Prof. Vinícius tem desenvolvido um trabalho sólido sobre as possibilidades envolvendo a agência pós-humana no desenvolvimento de games. Assim, considero uma opção viável e recomendo a leitura da conferência por ele apresentada neste evento.

      Sobre as práticas, percebo uma grande preocupação sobre o tema no exterior, como é possível identificar na bibliografia usada pelo prof. Vinícius e por mim. O debate lá parece menos apressado e o campo se consolidou antes. No entanto, pensando na experiência nacional, a súbita adoção do ensino remoto no Brasil em virtude da pandemia juntamente com soluções açodadas pode ter catalisado processos de gamificação sem análises e críticas apropriadas. A meu ver, não adianta gamificar para continuar a dispor apenas um caminho "correto", ou seja, defendendo uma narrativa histórica unilinear: não é um princípio coerente com a teoria da história e só prejudica as próximas gerações.

      Portanto, uma saída que eu considero viável (não é a única), sobretudo quando empregados RPG's, é a possibilidade do usuário mudar de papéis durante o mesmo game, o que propiciaria uma mudança do ponto de observação de dado contexto histórico. Certamente a visão de um judeu sob risco de um pogrom durante a Primeira Cruzada via a situação de uma maneira, enquanto um cristão ordinário via de outro modo, um bispo de outro, e assim sucessivamente. A combinação dessas múltiplas experiências emuladas/simuladas mostraria um cenário muito mais rico e complexo do que uma narrativa que evoca a multilinearidade (ou seja, a pretensa liberdade do RPG), mas, na prática, segue o percalço apenas do personagem x ou y - o que, no final, fornecerá ao aluno apenas a visão de uma experiência histórica, ou seja, uma única resposta correta (e aí incide o risco de gourmetização).

      Sobre os erros nas representações do RPG Maker, uma saída seria desenvolver os personagens e tiles, o que certamente ajudaria muito. Porém, não me parece algo factível para um único desenvolvedor, pois o trabalho é imenso e exige um conjunto de habilidades que vão além única e exclusivamente dessa plataforma. Em suma, depende de um trabalho de equipe, que nem sempre é possível no país diante do parco financiamento das pesquisas. Como o prof. Vinícius mesmo comentou, muitos desenvolvedores optam por usar os recursos pré-disponíveis na plataforma mesmo ao desenvolver games sobre outros períodos históricos que não o medieval. Do ponto de vista gráfico, há uma perda, mas ao menos torna o desenvolvimento factível. Além disso, se o desenvolvedor expressar isso ao jogador/gamer e explicar as razões da escolha e os problemas, considero algo perfeitamente legítimo.

      Abraços,

      Renan Birro

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    2. Muito obrigado pela resposta e meus parabéns novamente pelo trabalho incrível, essa é minha primeira vez na participação do simpósio e estou de fato admirado pela imensa produção de conhecimento, confesso que sou um grande admirador do mundo dos games e relacionar isso com curso de história no qual admiro mais ainda foi incrível, texto mais que prazeroso de ler, grato!!!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Olá professor Birro. Tudo bem?
    Fico feliz em ler o seu texto, sempre gostei muito de títulos criados pelo RPG Maker e sua pesquisa e texto (muito bem escrito) me despertam interesse em ler mais sobre a gameficação e ensino de história medieval.
    Uma pergunta: Os videogames - consoles ou pc - estão cada vez mais presentes na vida dos alunos (também devido a acessibilidade e com a evolução dos mobile) e por consequência, nas escolas e salas de aulas. Por ser ainda uma coisa nova e que cresce abruptamente, percebo que muitas escolas, professores e responsáveis resistem a utilização desses videogames como recurso didático. Como, em sua análise, nós, professores pesquisadores, podemos contribuir para a inserção ou melhor aceitação desse recurso em um sistema educacional 'tradicional'? Ainda, aceito indicações de textos.
    Grande abraço.
    Lucas Pinto Soares

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    1. Olá Lucas, tudo bem, e contigo? Obrigado pela pergunta.

      As mudanças educacionais tendem a ser profundamente lentas no país. Os motivos variam, mas circulam em torno da pouca familiaridade da administração, do corpo docente, do corpo discente e da gestão com recursos digitais. Juntamente com a frequente falta de estrutura nas escolas (computadores, internet), tudo conspira para um modelo educativo tradicional.

      Neste sentido, as escolas mais receptivas são as de formação técnica, como Sesi, Senai e Institutos Federais. No meio universitário, mesmo nos cursos de licenciatura, o debate sobre o Ensino de História ainda é infelizmente mal visto por muitos colegas.

      Sobre a bibliografia, recomendo as publicações sobre games da editora Blucher. São acessíveis e razoavelmente atualizadas.

      Abraços,

      Renan Birro

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  10. Boa Tarde.

    Muitas pessoas hoje em dia ainda pensam que games atrapalham os estudos ou que só servem para diversão e não cogitam que os games podem ser usados a favor do estudante, seja com determinado jogo que aborda determinado assunto que o estudante esteja abordando na escola e afins, e possível tirar essa imagem ultrapassada de que os games atrasam e só servem de diversão?

    Daniel Augusto Pereira Garcia

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    1. Olá Daniel, boa noite.

      Sim, é possível. Porém, vejo como um passo lento a ser dado. Confira a resposta que eu dei ao Lucas acima, pois ela elenca algumas razões para tanto.

      Creio que a saída é desenvolver recursos digitais para pressionar a mudança. Caso contrário, ainda teremos um ensino enraizado nas experiências dezenovecentistas.

      Abraços,

      Renan Birro

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