Mauricio Ribeiro Damaceno

A ANATOMIA NO OCIDENTE MEDIEVAL: AS REPRESENTAÇÕES DO CORPO FEITAS POR HENRI DE MONDEVILLE, GUIDO DE VIGEVANO E GUI DE CHAULIAC

 

Mauricio Ribeiro Damaceno

 

A proposta deste trabalho é a de evidenciar os usos dos corpos na Baixa Idade Média, para fins educacionais, sobretudo com a inserção do ensino da anatomia humana e da dissecação de cadáveres no curso de Medicina e Cirurgia em território europeu medieval. A origem da dissecação humana esteve conectada ao crescimento de atividades e habilidades cirúrgicas e ao desenvolvimento da autópsia para fins legais. Apesar dos poucos indícios, é possível que as práticas anatômicas se iniciaram em Alexandria, o centro cultural e científico do mundo da cultura helenística. Na biblioteca dessa cidade, havia importantes livros de Medicina, como o corpus hippocraticum, que homenageou Hipócrates de Cós, o fundador da Medicina racional separada das práticas religiosas. Mais tarde, no século II, a Anatomia foi direcionada por Galeno de Pérgamo (130-200), que dissecou porcos em virtude da proximidade de seus órgãos internos aos dos homens. O pensamento dessa autoridade perdurou por um milênio e meio, por toda a Idade Média, até o final do século XVIII (ALVES, 2010; SIRAISI, 1990).

 

Autoridades como Arnaldo de Vilanova, na Montpellier de 1290, chegou a afirmar que o sábio médico deveria conhecer cada um dos órgãos internos através da Anatomia, distinguindo-os em carnudos e cartilaginosos. No entanto, o conhecimento fisiológico compunha apenas uma parte da teoria médica, que era apenas um ramo do currículo médico universitário. Ele representava apenas uma pequena proporção da produção total da escrita médica ao final da Idade Média, estando relacionada, na maior parte, às doenças e aos tratamentos.

 

Nos estatutos da Universidade de Bolonha, decretados por Frederico II (1194-1250) em 1231, é possível notar que tal instituição teria de oferecer aos estudantes de Medicina no mínimo uma dissecação a cada cinco anos. Para controlar brigas causadas pelas práticas anatômicas em Bolonha antes do surgimento do estatuto de 1405, foi determinado que a prática deveria ser autorizada pelo reitor. Estando com a autorização, o estudante poderia convidar qualquer outro qualificado para participar, sendo o número não superior a vinte pessoas na Anatomia de um homem e trinta na de uma mulher, por serem feitas com menos frequência.

 

Era necessário, ainda, que estivesse cursando o terceiro ano de Medicina e não poderia participar de outra dissecação naquele mesmo ano. Além disso, o número de dissecações assistidas deveria se limitar a uma feminina e a duas masculinas durante todo o curso em Bolonha. Essas dissecações eram feitas nos meses de inverno e mesmo que o anatomista a fizesse de modo lento não seria possível ter uma visão completa do corpo.

 

Em 1303 foi feita a primeira necrópsia com autorização judicial em Bolonha e as dissecções públicas anuais, comumente realizadas em criminosos executados – a chamada Anatomia penal –, foram legalizadas em Veneza, Florença e Montpellier. Os corpos normalmente pertenciam a malfeitores, peregrinos e vagabundos, sendo fácil entender que a obtenção de corpos femininos para a dissecção era mais difícil, daí o aumento do número de estudantes voltados à inspeção. Em Veneza, foi aprovado um decreto do Senado veneziano, datado de 7 de maio de 1308, ordenando que a dissecação de um corpo humano fosse feita anualmente nessa cidade (SOUZA, 2010; WALSH, 1904).

 

Quando era obtido um cadáver, iniciava-se uma luta contra o tempo, pois não havia meios adequados de preservação. Por essa razão a cavidade abdominal, que continha órgãos que entravam em putrefação mais facilmente, era dissecada em primeiro lugar, seguida pela cabeça e extremidades. Além disso, era preciso dedicar um dia para cada uma dessas regiões e, como resultado, a dissecação poderia durar quatro dias, incluindo as noites. Outra forma de evitar a putrefação rápida era realizar dissecações nos dias mais frios do ano, geralmente em janeiro e fevereiro (MAVRODI; PARASKEVAS, 2014).

 

Dessa forma, como a obtenção de corpos era algo que demandava certo esforço, os desenhos anatômicos se tornaram uma ferramenta muito usada nos estudos anatômicos. Todavia, é possível notar a timidez em relação ao manuseio de corpos ao analisarmos algumas imagens produzidas por médicos cirurgiões da Antiguidade e da Idade Média. Tanto médicos como artistas, na Antiguidade, mostraram interesse pela Anatomia; os primeiros usavam a área para desvendar os mistérios do corpo e da vida, enquanto os segundos buscavam a beleza e a proporcionalidade ao pintar o corpo humano, garantindo uma aproximação entre homens e deuses. Os desenhos tinham o objetivo de ajudar os estudantes a compreenderem os esquemas de organização, mas sem a intenção de serem naturalistas (ALVES, 2010; SIRAISI, 1990).

 

No Medievo, Gui de Chauliac citou Henri de Mondeville (ambos, físicos-cirurgiões franceses), pelo menos 68 vezes em sua obra Cirurgia magna, sempre comparando o trabalho de Mondeville ao seu ou às fontes de autoridades às quais teve acesso. Em uma dessas passagens, há uma referência feita por ele às ilustrações de Mondeville. Ela encontra-se no Capítulo 1, “Observações gerais sobre a Anatomia e a natureza dos membros”, na primeira doutrina, “Anatomia dos membros comuns, universais e simples”, situada no primeiro tratado de sua obra, intitulado Anatomia.

 

“Também fazemos a Anatomia de corpos dessecados no Sol, ou consumidos na terra, ou derretidos em água corrente ou fervente: vemos a anatomia dos ossos, cartilagens, articulações, grandes nervos, tendões e ligamentos. Por estes dois meios, o conhecimento da Anatomia é alcançado através dos corpos de homens, macacos, porcos e muitos outros animais e não através de pinturas, como Henri [de Mondeville] fez, com treze pinturas que pareciam mostrar a Anatomia. ” (CHAULIAC, 1363, p. 30-31).

 

Nos parágrafos anteriores e posteriores a essa passagem, Chauliac fez o estudo das formas como a anatomia poderia ser feita, ou seja, em cadáveres de homens ou animais (especialmente o porco e o macaco) ou por intermédio de pinturas, como fez Henri de Mondeville em suas aulas ministradas em Paris. Apesar da declaração de Gui confirmar a existência de treze, o número total de diagramas anatômicos feitos por Mondeville é quatorze, existentes ainda hoje. Ele ainda sugere, de forma crítica, que Henri de Mondeville não usou cadáveres em suas lições, mas iluminuras. Uma destas iluminuras pode ser notada abaixo.

 


Fonte: Laceração na cabeça. In: MONDEVILLE, Henri. Miniaturas anatômicas. MS Fr. 2030 (BNF). Tinta sobre pergaminho. In: A Cirurgia do Mestre Henri de Mondeville. Paris: Biblioteca Nacional da França, 1314. f. 8v – 29v.

 

Os desenhos anatômicos feitos por Mondeville, a exemplo da figura acima, estavam geralmente em posição de pé, mostrando uma pessoa relaxada. Nas imagens do sistema esquelético, o corpo humano é descrito como sendo coberto por partes moles e secas. Em outras figuras anatômicas, os vasos sanguíneos e do coração são retratados na superfície do corpo ou o corpo é dissecado a partir da parte traseira com uma projeção das vísceras. Semelhante às ilustrações criadas por outros anatomistas no Medievo, os desenhos anatômicos de Mondeville demonstram um conhecimento ainda tímido a respeito do interior do corpo humano naquele período. Na miniatura acima, nota-se Mondeville de pé, segurando uma navalha na mão, mostrando várias incisões em um homem nu, também em pé. A aparição do físico em sua própria iluminura, pode reforçar uma pretensão de autopromoção de seu trabalho ou um indicativo de dissecações em cadáveres feitas por ele.

 

Outro cirurgião ativo no reino da França no início do século XIV, e que usou os diagramas ilustrados, foi Guido de Vigevano. Ele nasceu na Lombardia, por volta de 1300, e após prestar serviços ao imperador Henrique VIII juntou-se à corte da rainha do reino da França, Joana de Borgonha (1293-1349), onde trabalhou até 1349. As declarações de Guido sobre a proibição da igreja a respeito das dissecações não foram exatas e foram desmentidas por seu texto e suas ilustrações, que mostraram explicitamente o anatomista abrindo cada uma das três cavidades. Em sua obra, ele destaca que:

 

“Por ser proibido pela Igreja para realizar uma anatomia sobre um corpo humano e porque a arte da Medicina não pode ser totalmente conhecida a menos que se conheça a anatomia como diz Galeno no livro I de Sobre as partes afetadas, quando afirma que a condição da anatomia .dos membros não é menos útil do que saber o que fazer e como ajudar, já que o conhecimento da anatomia transmite as características e a essência de cada membro interno – portanto eu, Guido acima mencionado, para que este livro de assuntos notáveis – que eu extraí dos livros de Galeno possam ser mais úteis, demonstrarão clara e abertamente  através da anatomia do corpo humano [...] melhor do que pode ser visto no próprio corpo humano, porque quando fazemos uma anatomia em um homem, é necessário fazer depressa por causa do fedor.” (VIGEVANO, 1345, p. 240).

 

E prosseguiu dizendo que:

 

“[...] Mas como isso não pode ser feito porque as oportunidades para obter um corpo humano para uma anatomia são raras e também porque é proibido pela Igreja, eu mesmo me comprometi a apresentar uma anatomia em imagens. E minhas qualificações para isso podem ser confiáveis, porque eu mesmo fiz [anatomias] no corpo humano muitas vezes” (VIGEVANO, 1345, p. 241).

 

Em seu discurso, descreve as proibições da Igreja e por um momento parece convencer os leitores de que essa instituição eclesiástica realmente teria sido contrária à evolução da Medicina e da Anatomia, mas, na última frase do trecho, Guido deixa clara a contradição do seu discurso: é improvável que houvesse uma proibição tão rigorosa se ele próprio afirma ter feito seus desenhos com base em corpos que ele mesmo dissecou. No entanto, anunciou sua intenção de usar imagens como um substitutivo às dissecações, mas essas representações não eram anatomicamente informativas, talvez pelo seu pouco conhecimento.

 

Mesmo nos textos oficiais mais completos disponíveis, os órgãos individuais, em muitos casos, foram descritos brevemente e não muito detalhados. O capítulo sobre Anatomia dos rins do Canon, de Avicena, por exemplo, surpreende com mais informações que as declarações sobre o mesmo assunto no século XII (SIRAISI, 1990).




Fonte: Vigevano faz corte lateral no corpo. In: VIGEVANO, Guido de. Anatomy for King Philip VII. 1345. In: WALLIS, F. Medieval Medicine: a reader. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 242-247.

 

Nas ilustrações compostas por Vigevano, a exemplo da imagem acima, é possível rebater as suas críticas à Igreja. Em suas imagens estão retratados: 1ª) homem vivo nu, em cuja superfície do corpo está o nome de cada membro interno e sua localização; 2ª) a barriga é aberta no sentido do comprimento, isto é, da bexiga até a entrada do estômago; 3ª) mostra os membros internos à vista, após a retirada da membrana zirbus, 4ª) mostra o esôfago e o aparelho digestor – nota-se a retirada dos pulmões para melhor visualização; 5ª) mostra a anatomia do útero, uma vez que muitos médicos a desconheciam, dizendo que ele se elevaria até o diafragma e induzindo o sufocamento; 6ª) mostra o médico apalpando o paciente, tarefa esta que deveria ser feita para descobrir em qual membro estaria a dor; 7ª) o anatomista está fazendo uma incisão partindo do pescoço e através das costelas superiores de um cadáver esquelético. Ele fica atrás do cadáver, com a mão direita cortando com uma lâmina grande, enquanto o braço esquerdo envolve o pescoço do cadáver e ele usa a mão esquerda para puxar as costelas na incisão; 8ª) uma figura nua, vista de trás, com uma coluna vertebral de dezoito vértebras expostas, cujos nervos, visíveis, irradiam dela; 9ª) vista das vísceras (sistema digestivo); 10ª) um cadáver esquelético, com dois retalhos de pele do abdome cortados para revelar a camada de músculo e gordura, denominada “mirac”; 11ª) o físico analisa o braço do paciente, que possivelmente estava sentindo dor; 12ª) o corpo esquelético é mostrado sem as vísceras; 13ª) o médico medieval corta o crânio de um paciente com um martelo e uma lâmina; 14ª e 15ª) nessas duas últimas, percebe-se a anatomia da cabeça, com a abertura do crânio.

 

As imagens de Mondeville e Vigevano apresentam uma feição diferente das representações antigas como a série de cinco diagramas do corpo galênico, no entanto, preferiram manter o mesmo manequim para quase todos os desenhos. Além disso, a noção ainda é pequena de alguns órgãos internos, como o útero, que foi representado de forma imaginária. Outro diferencial é que os físicos aparecem nas imagens, o que prova haver uma autopromoção em reconhecimento ao seu trabalho e uma maior aproximação com seus futuros estudantes/praticantes.

 

Por fim, cabe destacar as contribuições de Gui de Chauliac, quando ainda estudante em Bolonha no século XIV. Ele descreveu que, na aula que assistiu, era colocado o cadáver sobre a mesa, sendo repassadas quatro lições: a) os membros nutritivos deveriam ser tratados primeiro, por se danificarem com facilidade; b) cuidava-se dos membros espirituais (coração e pulmão); c) depois, dos membros animais (cérebro, olhos, etc.); e d), por fim, dos outros membros. Para encerrar, era necessário levar em conta a situação, a substância, a constituição, o número, a forma, as relações e as conexões, as ações e os usos, assim como as doenças. Dessa forma, o cirurgião poderia prestar auxílio no conhecimento das doenças, no prognóstico e na cura. A Anatomia em corpos secos ao sol ou deteriorados pela terra, ou ainda submersos na água corrente ou fervente, garantia a visão de ossos, cartilagens, articulações, nervos, tendões e ligamentos (BULLOUGH, 1958; BULLOUGH, 1966).

 

Em suma, a dissecação humana, ao ser regularizada, integrou a apresentação ocasional do próprio corpo como objeto de estudo ligado aos textos sobre o assunto. A primeira disciplina a se tornar autônoma em relação aos saberes tradicionais foi a Anatomia humana descritiva. Os séculos XIII e XIV foram marcados por um avanço paulatino nos estudos anatômicos, onde a Anatomia macroscópica foi bastante utilizada, sendo preciso aprimorar as técnicas de observação, dissecação, descrição, ilustração e o gradual refinamento terminológico (ALVES, 2010; SIRAISI, 1990; TALAMONI, 2014).

 

Os textos dos físicos no Ocidente medieval compartilharam da ideia de que o estudo do corpo humano era um empreendimento científico visto com bons olhos e merecedor de valor. Do século XIII ao XV, o tratamento de temas fisiológicos em Medicina em obras fisiológicas naturais e teológicas foi capaz de fazer com que se assemelhassem uns aos outros. O mesmo método escolástico das lições sobre os textos das autoridades e de questões e o mesmo aparelho escolar de argumentos, objeções e soluções eram utilizados.

 

Não há registro que prove o uso da dissecação por parte de autoridades como Henri de Mondeville, mas sua obra parece ter recebido a ajuda de modelos físicos (MCVAUGH, 2000). Percebe-se isso quando ele destaca que caso os cadáveres fossem mantidos por quatro noites com autorização da Igreja Romana, a dissecação deveria iniciar pela parede da barriga, do meio do peito ao púbis, para um corpo masculino. No caso dos corpos femininos, nas aberturas do estômago, deveriam descer na forma de um escudo invertido, para os dois flancos ou ílio, invertendo a parede inteira entre as duas incisões nas partes sexuais, expelindo todas as vísceras pelo ânus (MONDEVILLE, 1320).

 

Por fim, cabe ressaltar que a presença das disciplinas de Anatomia e Cirurgia no currículo do curso de Medicina ofereceu ao estudante um maior conhecimento do corpo, exemplificado nesta pesquisa, a partir das análises feitas das miniaturas anatômicas de autoridades como Henri de Mondeville e Guido de Vigevano, que mostravam, inclusive, o corpo aberto e a exposição das vísceras, realçando, assim, a superação de tabus referentes ao corpo, visto, até então, como sagrado e inviolável.

 

Referências biográficas

 

Mauricio Ribeiro Damaceno é professor efetivo de História pela SEDUC-MT, Doutorando em História pela Universidade Federal de Mato Grosso, Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Ensino de História e em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Única de Ipatinga-MG, e Graduado em História pela Universidade Estadual de Goiás.

 

Fontes

 

CHAULIAC, Gui. Cirurgia Magna de Gui de Chauliac. 1363. Tradução de: E. Nicaise. Paris: Bibliothèque Nationale de France, 1890.

 

MONDEVILLE, Henri. Chirurgie de Maître Henri de Mondeville. 1320. Tradução de: E. Nicaise, com a colaboração do Dr. Saint-Lager e F. Chavannes. Paris: Bibliothèque Nationale de France, 1893.

 

VIGEVANO, Guido de. Anatomy for King Philip VII. 1345. In: WALLIS, Faith (ed.). Medieval Medicine: a Reader. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 240-247.

 

Referências bibliográficas

 

ALVES, Manuel Valente. A Medicina e a arte de representar o corpo e o mundo através da Anatomia. In: CARDOSO, Adelino et al. (coord.). Arte Médica e imagem do corpo: de Hipócrates ao final do século XVIII. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2010. p. 31-49.

 

BULLOUGH, Vern L. Medieval Bologna and the development of medical education. Bulletin of the History of Medicine (The Johns Hopkins University Press), v. 32, n. 3, p. 201-215, May-June 1958.

 

BULLOUGH, Vern L. Montpellier. In: BULLOUGH, Vern L. The Development of Medicine as a Profession: the Contribution of the Medieval University to Modern Medicine. Nova York: S. Karger, 1966. p. 52-60.

 

MAVRODI, Alexandra; PARASKEVAS, George. Mondino de Liuzzi: a Luminous Figure in the Darkness of the Middle Ages. Croatian Medical Journal, Zagreb, p. 50-53, 2014.

 

MCVAUGH, Michael. Surgical Education in the Middle Ages. Dynamis: Acta Hispanica ad Medicinae Scientiarumque Historiam Illustrandam, Barcelona, v. 20, p. 283-304, 2000.

 

SIRAISI, Nancy G. Medieval & Early Renaissance MedicineChicago: The University of Chicago Press, 1990. 250 p.

 

SOUZA, Sandro Cilindro de. Aspectos Históricos. In: SOUZA, Sandro Cilindro de. Lições de Anatomia: manual de esplancnologia. Salvador: EDUFBA, 2010. p. 11-49.

 

TALAMONI, Ana Carolina Biscalquini. Anatomia, ensino e entretenimento. In: TALAMONI, Ana Carolina Biscalquini. Os nervos e os ossos do ofício: uma análise etnológica da aula de Anatomia. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 23-37.

 

WALSH, James J. The Popes and the History of Anatomy Medical Library and Historical Journal, New York, v. 2, n. 1, p. 10-28, 1904.

8 comentários:

  1. Olá Mauricio, tudo bem? Parabéns pela contribuição e pela participação.

    Sobre seu texto, eu tenho três perguntas:

    1) O que fomentou seu interesse pelo estudo da anatomia na Idade Média, uma vez que o campo tem poucos interessados no país?

    2) Está fora do escopo do trabalho, mas existe algum tabu quanto ao sangue? Não faz parte da literatura médica medieval, mas penitenciais costumavam ter orientações a respeito.

    3) Além da questão descrita no texto, as fontes apontam para cuidados adicionais quanto ao corpo feminino?

    Abraços,

    Renan Birro

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    1. Olá Professor Renan, estou bem e você? Fico muito agradecido pelo interesse na temática e pelas questões levantadas. Vou responder em tópicos:

      1) Concordo com você a respeito do número pequeno de pesquisas sobre a temática. Na verdade, pesquisas sobre a história da medicina como um todo, ainda são escassas. Minha pesquisa de Graduação, Mestrado e agora do Doutorado estão voltadas para a cirurgia e os cuidados com a saúde na Idade Média, mas foi no Mestrado que meus interesses também se voltaram para a Anatomia. Ao estudar os currículos universitários franceses, por exemplo, percebi a presença da disciplina e ao mergulhar nos tratados de Henri de Mondeville, descobri seus diagramas ilustrados. Confesso que deu muito trabalho reunir seus 14 diagramas anatômicos, mas a cada descoberta, meu interesse cresceu. A temática se tornou então o capítulo 2 da minha dissertação, que trata sobre a concepção do corpo e da Anatomia na Idade Média. Uma coisa levou a outra ... dos diagramas de Mondeville, cheguei aos relados de Chauliac e aos desenhos de Vigevano e Galeno.

      2) Em relação ao sangue, diria que é um daqueles temas que daria um livro inteiro. Jacques Le Goff e Nicolas Truong na obra “Uma história do corpo na Idade Média” já nos dá pistas sobre a complexidade deste assunto. Se pensarmos bem, o sangue está envolto em um paradoxo: por um lado, é sagrado se levarmos em conta o sangue derramado por Cristo na cruz ou pelo ato do cálice de vinho, que ao ser entregue aos discípulos, se tornou um símbolo de santidade e devoção e a representação do sangue de Jesus. Porém, se em Cristo ele é sagrado, no homem o sangue é impuro, pois o corpo é o objeto de todo o pecado humano e não pode ser salvo. Salva-se a alma que é abrigada temporariamente pelo corpo.

      Se por um lado, o sangue foi usado pelos nobres para definir o parentesco e até mesmo a superioridade (“Nobres de sangue” “sangue azul”), por outro, foi usando para inferiorizar a mulher e classificar a menstruação até mesmo como uma doença feminina.

      Por fim, lembro das profissões. Físicos (médicos) eram separados de cirurgiões na Idade Média. Os primeiros foram tidos por muito tempo como honrados por cuidar da saúde de nobres, enquanto os cirurgiões foram por muito tempo marginalizados por estarem em contato com as impurezas do corpo, tais como o sangue derramado nos procedimentos cirúrgicos. Nas missas, por exemplo, médicos tinha lugares importantes na frente, já os cirurgiões ficavam junto aos impuros, como açougueiros, no fundo da igreja.

      Esses são apenas alguns exemplos da complexidade do tema. Espero ter respondido à pergunta.

      3) Em relação ao corpo feminino, estas fontes são pouco indicadas. Os procedimentos cirúrgicos em mulheres são pouco mencionados. As iluminuras que tive acesso através da Biblioteca Nacional da França, retratam, na maioria das vezes, anatomias em corpos masculinos. O corpo feminino só aparece nas representações do sistema reprodutor interno (útero e ovários), mas a imprecisão e a pouca informação, nos leva a concluir que as dificuldades em obter corpos femininos comprovavam este pouco conhecimento. Por vezes o útero é representado em formato de espinha de peixe ou em formatos diferentes do real. É possível que alguns acadêmicos tenham terminado seus estudos universitários sem ter participado de nenhuma dissecação humana feminina, já que grande parte dos corpos eram de mal feitores e indigentes. Soma-se a isto, tabus como os relacionados ao corpo e sangue, como já mencionado.

      Forte abraço

      Mauricio Ribeiro Damaceno

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  2. Nessa época que abrangia a Idade Média, e esses estudos anatômicos não tendo o aplauso eclesiástico é possível afirmar que a igreja patrocinava esses estudos em seus porões não iluminados para assim manietar alguns estudiosos e ter o monopólio da medicina também dentro de seus muros sacro santo?


    Andreza Almeida dos Santos

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá Andreza, tudo bem? Obrigado pela leitura e pergunta.

      Evidentemente que sim! Apesar de todos os tabus relacionados ao corpo, a Igreja parece não querer comprar brigas com os universitários, isso porque, este grupo poderia proporcionar uma proteção intelectual muito importante, contra inimigos mais significativos: os hereges. Além disso, cabe lembrar que não só as cortes reais (a exemplo da corte de Filipe IV, O belo) possuíam médicos e cirurgiões pagos com recursos reais, mas também as cortes papais. Os papas também precisavam de tratamentos médicos e cirúrgicos e assim, era necessário contratar aqueles com maiores conhecimentos acadêmicos. Em um dos meus artigos publicados na revista Brazilian Journal of Development, intitulado “A ANATOMIA NA BAIXA IDADE MÉDIA: OS LIMITES DA BULA DETESTANDAE FERITATIS ABUSUM E AS CONTRIBUIÇÕES DE HENRI DE MONDEVILLE (FRANÇA, SÉCULO XIII – XIV)” fala um pouquinho da temática.

      Grande abraço,

      Mauricio Ribeiro Damaceno

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  3. Boa noite!
    Muito interessante o assunto! Obrigado por compartilhar.

    Naquela época era complicado encontrar corpos para a prática, e hoje, como funciona essa questão? Há uma legislação especial? Certamente com as tecnologias atuais é possível preservar os corpos que podem ser estudados por muitas turmas, mas existe alguma espécie de reposição?
    Obrigado.

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    1. Olá Luiz, tudo bem? Obrigado pela leitura e pergunta.

      Apesar de ser historiador e de trabalhar com a medicina antiga e medieval, tenho buscado dialogar com colegas médicos e cirurgiões para melhor entender estas práticas hoje e alguns termos utilizados. Neste sentido, utilizo de leituras e mecanismos legais indicados por eles: A medicina moderna conta com legislações própria para o uso de cadáveres e cada instituição alerta seus acadêmicos sobre os princípios éticos e legais do uso de cadáveres. A lei que regulamenta esta prática hoje é a lei 8.501/92 de 30 de dezembro de 1992. Em seu artigo 2º temos “O cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de caráter científico.”

      Hoje em dia existem substancias e equipamentos que permitem preservar os corpos sim, mas a lei 8.501/92 também fala dos meios de aquisição de corpos. No Art. 3 temos: Será destinado para estudo, na forma do artigo anterior, o cadáver:

      I -- sem qualquer documentação;
      II -- identificado, sobre o qual inexistem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais.

      Por fim, cabe destacar que a obtenção de corpos que não seja para estes fins e não cumpra os mecanismos legais, caracteriza Vilipêndio a cadáver. Segundo o art. 212 do Código Penal:
      Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
      Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

      Grande abraço,

      Mauricio Ribeiro Damaceno

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